Em Portugal, de acordo com o Código Penal, apenas os crimes de homicídio e ofensa à integridade física prevêem um agravamento da pena por motivação de “ódio racial” ou “gerado pela cor, origem étnica ou nacional.
Em 2021, o debate público sobre a falta de legislação nestas questões foi levantado pela ex-deputada (não-inscrita) Joacine Katar Moreira, com a entrega na Assembleia da República de um projeto de resolução e um de lei para a aplicação de uma agravante por injúria racial para todos os crimes semipúblicos, assim como a inclusão do crime de injúria racial no ordenamento jurídico português, respetivamente.
Na altura, a deputada defendia a necessidade dessa revisão do Código Penal para “uma mais ampla e vigorosa abordagem criminal que, efetivamente, proteja as vítimas destas formas arbitrárias de discriminação e assegure o cumprimento dos fins do Direito Penal, concretamente de prevenção geral e de prevenção especial”.
No texto da proposta de lei, podemos ler que “os poucos casos publicamente conhecidos de acusação penal por discriminação racial ou terminaram em absolvição dada a falta de prova de ‘intenção de incitar à discriminação’, ou levaram à aplicação de uma pena meramente simbólica”.
Ao contrário do que acontece no Brasil, onde, desde 2018, o Código Penal, através do artigo 140.º, reconhece a imprescritibilidade de um crime de injúria racial, em Portugal, uma pessoa que de forma pública ou privada profira palavras de ódio racial pode ficar impune ou não ter qualquer agravamento de uma eventual pena, caso a esse primeiro crime não esteja indexado um homicídio ou agressão física.
Sociedade que nega a experiência quotidiana de racismo
Joacine Katar Moreira
“Esta lacuna legislativa insere-se, sistematicamente, numa sociedade que nega a experiência quotidiana de racismo e teima, frequentemente, em qualificar esta forma de violência, inerente à ordem social e cultural, como uma manifestação de uma «opinião», de uma atitude interna sem sequelas na vida das suas vítimas. Mas a realidade nacional revela, precisamente, uma proliferação preocupante do discurso de ódio e da discriminação”, lemos ainda no Projeto de Lei n.º 922/xiv/2.ª, de Katar Moreira, que pretende reforçar o combate à discriminação e aos crimes de ódio.
E se os diferentes levantamentos sociais, por parte dos movimentos negros em Portugal, não são suficientes para que a opinião pública questione e empurre o poder legislativo para criar mecanismos de defesa contra um sistema português estruturalmente racista, em 2020, o estudo European Social Survey4 identificou que 52,9% da população considera que há raças ou grupo étnicos que nasceram menos inteligentes e/ou menos trabalhadores que outros. A média europeia é de 29,2%.
No mesmo documento, aponta-se que 54,1% dos portugueses mantém a crença de que há culturas melhores que outras e que cerca de 62% manifestam alguma forma de racismo.
A destacar também que, Rosa Monteiro, ex-Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, afirmou no ano passado que as queixas por discriminação racial apresentadas na Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) aumentaram 50% em 2020, em comparação com o ano de 2019. Em 2020, foram apresentadas na CICDR um total de 655 queixas por práticas discriminatórias “em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem”. De salientar que o número não é representativo da realidade, considerando as baixas taxas de denúncia.